quarta-feira, 22 de junho de 2011

JIM KLEIST


‎"se sentir é criar,
e criar é estar vivo,
se estar vivo é encontrar,
e encontrar, na verdade, é reencontro,
se reencontro é privilegiar,
e privilegiar na verdade é esquecer,
posso resumir, de uma forma apressada, claro, todo o meu processo de escrever como um ato de esquecimento..

eu escrevo justamente porque esqueço..
esqueço tudo o que aconteceu.. tudo o que acabou de acontecer.. tudo o que está acontecendo justamente agora..

você sabe... estou aqui nesse café todas as noites,
como em uma espera, uma ante sala, um andar abaixo, quase como* (trecho não identificado da gravação)

eu escrevo porque é a melhor forma de se aproximar,
estar perto e não visível,
quase um desenho sonoro

você se lembra do bill evans?
vc se lembra daquelas noites no village?
ele falava daquele livro, lembra? aquele livro...

(nesse momento somos interrompidos por um grupo de amigos de jim)

vc ainda quer falar da escrita, cara? mas eu gosto mais é dos quadros..
bem.. eu escrevo.. eu escrevo porque essa foi (e sempre será) a melhor forma de não dizer..
de ocultar - tudo que se expressa aqui já é o desvio..
tudo que se representa já é limitado, vc sabe..

aquilo que sinto,
aquilo que trago aqui dentro de mais profundo,
isso eu ignoro e nunca poderei mostrar...

quando faço um filme, eu tento encarar todo esse processo como uma espécie de recordação..
eu visito as possíveis locações como se fossem vestígios de um lugar em que eu já estive..
eu olho atentamente para os atores buscando alguma sintonia improvável..
eu nunca quero o ator disponível, eu não quero aquele intérprete que quer trabalhar comigo..
eu quero justamente o que me diz não,
aquele que me ignora, que nunca me viu, que não pretende nada, que está isolado no bar pensando nas apostas que fez,
que não voltou ainda pois provavelmente não há para onde voltar..

e eu odeio terminar todo esse processo..
odeios a idéia de terminar um filme.. gosto do fotograma um a um.. gosto de ficar horas e horas no material bruto..
ali há uma música que dificilmente poderá ser ouvida novamente..

quando fiz o "blue in green", o evans me chamava toda noite.. não tinha energia elétrica na casa dele, não tinha mais bebidas, não tinha nada naquele apartamento..
a namorada dele o abandonou... a gente chegava do village e ele ficava tocando bach.. tinha uma ou outra vela por ali, vc sabe... um monte de livro de filosofia jogado...
ele me falava de uma garçonete pela qual ele se apaixonou...
mas havia tanta tristeza naquela paixão... tanta tristeza... não sei..

eu vi a dor mais profunda nos olhos daquele homem.
eu vi a solidão mais silenciosa..
afinal ele tocava todas as noites naquela época e tudo o que eu podia ouvir era o silêncio"

(trecho extraído de uma entrevista com o cineasta norte-americano JIM KLEIST (1941-1992) publicado pela revista BLOOD em fevereiro de 1963 - tradução de Rodolfo Arruda)

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails