A voz arredia que invade a tranquila fala do poeta, em manhãs de primavera, onde o som dos pássaros, a brisa do mar, até mesmo o minuano cortando o rosto não passam de lembranças. Perturbado ainda com os primeiros raios de sol, aquele sussurro lhe deseja bom dia, como a ordem do sinhô para o escravo, nunca será um bom dia, não para o indigente que não é dono de sua própria liberdade. Mesmo liberto dos grunhidos o escravo não tem nada a fazer, a não ser procurar sua família, quando negado seu desejo seu dia não é bom. No teatro aristocrático os negros ganham um papel, triste como sua história. O libambo aprisiona seus dias, não existe Helenas, Afrodite, nem Dionísio. Não existe espaço para felicidade. Uma vida inteira do desejo, da busca interminável, do sonho não realizado, da conexão interrompida esse é o bom dia do escravo poeta. Não ganhou papel e lápis para descrever seus próprios sonhos, agora da mão do historiador suas anciãs revelam-se. Ele também sonhava, também queria um bom dia, não sabemos de suas individualidades, mas quando reunidos celebravam sem pudor, sem patrão, sorridentes e capazes. Suas vidas incógnitas ganham as academias, suas individualidades serão expostas, mesmo que não seja num bom dia.
Jordane Câmara
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