quarta-feira, 23 de junho de 2010


Fugir de casa
Fugir da cidade
Fugir do mundo
fugir do pensamento
Fugir das palavras ou fugir do nada
sei lá o que escrevo... sei lá o que bebo...
sei lá o que vivo...
Do livro com todas as respostas tudo que me resta são as perguntas??????????????????????????????????????????????????????????

Alceu????? Até quando?????????

sábado, 5 de junho de 2010


O novo é apenas uma ilusão de tudo aquilo que já conhecemos. E uma simples combinação das coisas velhas que juntas formam uma nova coisa de utilidades questionáveis. Dessa maneira, podemos afirmar que toda novidade é antiga. Que todo jornal de hoje com as notícias de ontem são ultrapassadas. Que toda saudade é em vão, se por fim nunca foi uma nova saudade velha.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Niilismo tupiniquim

Em 2003, o cineasta e músico Gustavo Acioli dirigiu um curta-metragem chamado "Nada a Declarar" que encena uma entrevista realizada com um artista, interpretado pelo ator Bruce Gomlevsky. Ele verbaliza um discurso cínico, desconcertante, provocativo. É um filme que ao mesmo tempo é espelho - distorcido ou cristalino - de seus espectadores e estímulo para reflexão sobre nossas atitudes diante da hipocrisia no discurso da sociedade brasileira contemporânea.




Jaime José S. Silva.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Rima infame para um sujeito torpe.



prazo, prato, pinico e prazer
prazo para poder pagar
prato: poeira
pinico: peidar
prazer?
pedir pinga
para prosear.


Jaime José S. Silva

sábado, 15 de maio de 2010



Em 2006 a então relatora do tema “Defensores de Direitos Humanos” na Organização das Nações Unidas (ONU), Hina Jilani, realizou uma série de audiências no Brasil para ouvir as denúncias dos Movimentos Sociais sobre casos de violações dos direitos humanos no país. O vídeo abaixo foi produzido para a ocasião de sua passagem por Santa Catarina.
O filme, que leva a assinatura de Vinicius Possebon (Moscão), aborda três episódios recentes da história de Santa Catarina, são eles: a manifestação de repúdio ao “Relógio dos 500 anos” instalado pela Rede Globo nas capitais do país em 2000; a luta do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no ano de 2005 e as manifestações de resistência ao aumento das tarifas do transporte público em Florianópolis, episódio que ficou conhecido como “Revolta da Catraca”. Nestes três casos, a violência da repressão e criminalização dos movimentos sociais, marcou o papel da Polícia Militar catarinense na violação dos Direitos Humanos e dos Direitos civis básicos da livre manifestação e expressão, nos quais se sustenta o “Estado democrático de Direito", direito aliás assegurado pela Constituição brasileira. A partir da denúncia, “Democracia Militar” busca fomentar o debate sobre a qualidade e, no limite, sobre a possibilidade de um regime democrático no qual a ação dos aparelhos repressivos pauta-se pelo total desrespeito aos direitos básicos dos cidadãos. Se o que pauta a relação da população com a policia/Estado é o medo e a violência, então que democracia é essa que transforma a busca dos direitos pelos cidadãos em um ato criminoso?

Democracia Militar from Vinicius Possebon (Moscão) on Vimeo.



Download do video aqui


Jaime José S. Silva.

sábado, 17 de abril de 2010


Sempre buscando novas novidades velhas que fazem ressurgir
uma falsa lembrança do quando era bom andar de bicicleta com você no verão;
O verão acabou, o outono chegou
as folhas caíram e você foi embora, embora eu tivesse implorado para ficar.


Eu, Alceu...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A câmara clara - Roland Barthes



A câmara clara é uma obra sobretudo de percepção. Roland Barthes escreve neste clássico livro indispensável para qualquer estudante de fotografia, cinema ou curiosos atentos algumas relações com a imagem parada - fotografia- , que percebemos ou não estão incluídas em fotografias. Barthes anuncia em sua obra o que pode ser a síntese e a ruptura da representação. Questões como identidade, memória, espectador, autor são debatidos no seu livro. Escolhi fazer um post em homenagem a este genial cara da fotografia porque estou lendo ele, inclusive realizando um trabalho sobre fotografia como objeto de arquivo. Para quem se interessar um pouco mais aqui embaixo estão alguns links legais, do livro do Barthes e alguns trabalhos realizados a partir da leitura da obra como dissertação de mestrado e artigos.

Livro:http://www.scribd.com/doc/19125311/A-Camara-Clara-Roland-Barthes

dissertação: http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:I2J4y047Gh8J:www.letras.ufrj.br/pgneolatinas/mariaclaradasilvaramoscarneiromestrado.pdf+a+câmara+clara&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESigCldD8__FQaP5ymgNnsED2WfdsH4KByg42RpPJRz2YW4IQ1Rvfaf-Tyrk0OctTv_14wBkiKnEqd8oh9FFoxbAXsVkBpDPzU3mGcZqfkTHoecQywpoyjj9hRvPMHlWOshFI85q&sig=AHIEtbRBPf_rFmNDMngkBL-KodzDVEVwpg




Divirtam-se!

P.S: agora uma informação para aqueles que desejam trabalho!! a Petrobrás abriu concurso, li hoje no jornal vejam: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u720448.shtml

Boa semana Jordane

domingo, 11 de abril de 2010



deitado só havia o azul. tudo o que pensava era como ultimamente estava difícil sonhar. perceber como as coisas podem ser fáceis foi arrancado dia-a-dia de seus pensamentos. pequeno homem massa. nasceu moleque e corajoso, herói e destemido em suas histórias juvenis. de tudo que passou só lhe restou o bigode...

Jaime José S. Silva

sexta-feira, 9 de abril de 2010

É no outro lado...


E do outro lado da rua que mora a vizinha que
desperta todos os nossos desejos.
E é no outro lado do mundo que vive nossos sonhos.
Contudo, a coisa mais difícil que existe é convencer
nossa vizinha para dar a volta ao mundo.


Alceuuuuu.....

O audiovisual contemporâneo e a criação com imagens de arquivo


Este é um artigo bem legal, li para uma aula de projeto de documentário


O audiovisual contemporâneo e a criação com imagens de arquivo
Consuelo Lins (ECO/UFRJ) e Luiz Augusto Rezende (NUTES/UFRJ)
(apresentado no 13° Encontro Socine – ECA/USP, 2009)

Resumo

A retomada de imagens de arquivos – públicos, privados, pessoais, televisivos, anônimos – é um procedimento cada vez mais recorrente na produção artística contemporânea, das artes visuais aos produtos midiáticos, especialmente no documentário. Nossa proposta é discutir diferentes modos de apropriação de materiais audiovisuais já formados e seus efeitos estéticos e políticos, partindo do princípio que a imagem de arquivo é sempre algo indecifrável e sem sentido enquanto não for colocada em relação com outros elementos – outras imagens e temporalidades, outros textos e depoimentos. Trata-se, retomando o pensamento de G. Didi-Huberman, de aceitar a natureza precária, lacunar e enigmática de uma imagem. A imagem não é tudo, diz o autor, mas está longe de ser nada; e apesar de todas as insuficiências, é possível arrancar dela aprendizado, trabalhando-a na montagem.


“You don’t have to search for new images, ones never seen before, but you do have to utilise the existing ones in such a way that they become new” (“não é preciso buscar novas imagens, imagens nunca antes vistas, mas utilizar as imagens existentes de uma forma que elas se tornem novas”). Essa frase do cineasta alemão Harun Farocki (apud LEIGHTON, 2008, p. 35.) expressa um gesto artístico cada vez mais freqüente nas práticas audiovisuais contemporâneas: a retomada de imagens já existentes, extraídas de arquivos públicos ou privados, em filmes, vídeos e instalações, com efeitos e funções variadosi. Dentre os filmes realizados por Farocki está Videogramas de uma Revolução (1992), com co-direção com Andrei Ujica, montado com imagens realizadas por amadores durante os acontecimentos que levaram à queda do ditador romeno Nicolae Ceausescu em 1989, associadas a seqüências captadas pelos cinegrafistas da televisão estatal. A partir desse material, o cineasta produziu um filme revelador não apenas do final do regime comunista e da execução do patético casal Ceaucescu, mas especialmente da decomposição generalizada das relações sociais provocada por décadas de censura, violência, autoritarismo, mediocridade cultural. O que Farocki faz precisamente? Retoma esse material e nos coloca diante de imagens em estado “selvagem” – o que não quer dizer neutras, muito pelo contrário –, não submetidas ao controle daqueles que filmam, impregnadas das condições do momento, repletas de tensões, contradições e de corpos que hesitam e atuam em diferentes direções. Com isso, mostra a impossibilidade de uma narração homogênea dessa revolução “em imagens”, sem heróis nem romantismos, distante de qualquer utopia.
O gesto de Farocki – e dos artistas contemporâneos que fazem uso desse procedimento – intensifica uma prática artística que, ao menos no campo do cinema, remonta aos anos 20. Prática minoritária que irrigou o cinema, especialmente o documentário, desde então. Os cineastas soviéticos Esther Schub e Dziga Vertov são exemplos célebres: Vertov montou seus filmes, muitos deles pelo menos, a partir de imagens realizadas por outros cinegrafistas; Schub compilou e montou imagens registradas durante a dinastia Romanov, derrubada pela Revolução Russa, entre outros filmes. Em finais dos anos 50, os cineastas franceses Alain Resnais e Chris Marker renovaram essa prática, colocando em uma mesma mesa de montagem imagens de arquivos, imagens realizadas por terceiros e imagens realizadas por eles mesmos. O cineasta experimental americano Jonas Mekas reaproveitou em seus filmes-diários, montados a partir de meados dos anos 60, seus arquivos pessoais que datam da sua chegada a Nova York, no final dos anos 40. Em 1972, Orson Welles dirige Verdades e Mentiras, um filme-manifesto sobre a montagem e as potencialidades do uso de imagens já feitas. Um ano depois, Guy Debord realiza, em A sociedade do espetáculo, um “desvio” de diferentes filmes da história do cinema.
É interessante notar como cineastas e artistas visuais das décadas de 60 e 70 possuíam, em muitos momentos, discursos antagônicos e mesmo hostis entre si, embora tivessem práticas artísticas bastante semelhantes. O fato de um artista retomar por conta própria imagens que já possuem significação e identidade e dotá-las de significação e identidade novas é, segundo o crítico americano Arthur Danto, a maior contribuição que os artistas visuais deram à década de 70 (apud ISHAGPOUR, 2001, p. 757).

***

Diante da intensificação dessa prática nos últimos anos, incluindo a produção de trabalhos feitos a partir de imagens anônimas que circulam pela internet e a utilização de imagens de arquivo em programas televisivos, nos parece fundamental discutir certas noções e estabelecer distinções nos diferentes usos dessas imagens. Apropriar-se de imagens alheias comporta efeitos ambíguos e complexos tanto de transformação do que é do outro – questões e operações a que se submetem as imagens – quanto de conformação do próprio gesto apropriador às feições do material “apropriado”. Há um caráter eminentemente “dialógico” na retomada de imagens/sons produzidos por terceiros em outro tempo e espaço. Em moldes semelhantes aos formulados por Bakhtin (1995) ao se referir à forma como retomamos a fala do outro no nosso próprio discurso, o uso de imagens de arquivo é uma operação que nos faz tornar nosso o que é do outro, mas ao mesmo tempo guardar um pouco do outro no que nos é próprio.
Contudo, apenas constatar um dialogismo inerente a essa prática diz pouco sobre as potencialidades estéticas e políticas que ela pode ter. Não podemos esquecer que diferentes formas de reciclar imagens estão presentes por todo lado, dos produtos midiáticos às obras artísticas, e na maior parte dos casos sem qualquer dimensão crítica. O que chama a atenção em certos filmes, a maioria deles ensaístico, é a forma como os autores criam uma distância em relação às imagens – reflexiva, por vezes irônica –, que desnaturaliza o que estamos vendo e revela a “natureza” imagética da imagem. São obras que colocam, de imediato, o real como imagem e partem do princípio de que o arquivamento não é fruto de técnicas neutras, mas de procedimentos que tanto produzem quanto registram o evento, como afirma J. Derrida em outro contexto (DERRIDA, 2001, p. 29). Em outras palavras, as imagens de arquivo, nesses ensaios fílmicos, não são exibidas como “arquivamento do real”, nem documento do que existiu, mas como imagens captadas em certas circunstâncias sociais, técnicas, políticas, atravessadas portanto por contextos específicos, que fizeram com que elas fossem arquivadas e chegassem até nós de uma certa maneira. Ao mesmo tempo, alguns elementos da imagem só se tornam visíveis em determinadas épocas, por isso o arquivo é sempre algo em construção, intrinsicamente ligado ao presente.
De certo modo, essa forma de trabalhar com imagens já existentes vai ao encontro da definição de “imagem-arquivo” do historiador da arte francês G. Didi-Huberman: uma imagem indecifrável e sem sentido enquanto não for trabalhada na montagem. Fotografias ou imagens em movimento dizem muito pouco antes de serem montadas, antes de serem colocadas em relação com outros elementos – outras imagens e temporalidades, outros textos e depoimentos. Para Didi-Huberman, ou se pede demais da imagem, que ela represente o Todo, a verdade inteira, o horror dos campos, por exemplo, o que é impossível – elas serão sempre inexatas, inadequadas, lacunares; ou se pede muito pouco, se desqualifica, afirmando que a imagem não passa de simulacro, excluída portanto do campo da história e do conhecimento.
O autor desenvolve essas idéias em Images malgré tout [Imagens apesar de tudo] (2003), um texto de intervenção em um debate que teve como centro quatro fotos de um campo de concentração (Auschwitz-Birkenau) tiradas em agosto de 1944 por um dos membros do Sonderkommando – comando formado por judeus arregimentados pelos nazistas para o trabalho de incineração dos prisioneiros dos campos de extermínio. A primeira parte do livro é um texto de apresentação dessas fotos propriamente, incluído no catálogo da exposição que aconteceu em Paris no início dos anos 2000. A segunda parte responde a inúmeras acusações que sofreu Didi-Huberman por ter dado divulgação a essas fotos, lideradas pelo documentarista C. Lanzmann, diretor do documentário Shoah (1985). Lanzmann contestou violentamente o uso dessas fotos e considerou uma infâmia moral a exposição. Para o cineasta, imagens do extermínio e qualquer imagem dos campos, ao contrário de evocar o horror, o banaliza, intensificando o que a máquina midiática de produção e difusão de imagens não cessa de fazer. Shoah é um documentário de 9 horas que não utiliza nenhuma imagem de arquivo. Lanzmann chegou a afirmar que se tivesse encontrado essas fotos teria desaparecido com elas, já que jamais poderiam representar o irrepresentável.
Didi Huberman realiza nesse texto uma vigorosa defesa das imagens “malgré tout” (apesar de tudo), contra o que ele chama de “estética negativa” que entende a Shoah como uma “destruição sem ruína” ou um “acontecimento sem olhar possível”. Auschwitz, diz o autor, é uma realidade, fruto de um delírio político-racial, e não um inferno. Uma realidade que temos o dever de imaginar, de pensar, de interrogar, apesar de suas lacunas e da impossibilidade de tudo dizer.
W. Benjamin, J, Rancière, J. L. Godard, G. Agamben, M. Blanchot são convocados para uma argumentação em favor da montagem como princípio básico de relação com as imagens do mundo. Contudo, não se deve confundir o trabalho de montagem com manipulação, diz o autor. Montagem não é fusão, assimilação ou destruição dos elementos que constituem as imagens. Trata-se de montar mostrando as diferenças e ligações com o que nos cerca.
Didi-Huberman critica Lanzmann sem deixar de reconhecer a força do documentário Shoah. Para ele, porém, o rigor estético do filme tornou-se dogmatismo no discurso do cineasta. Contra a alegação de que o extermínio dos judeus é uma “destruição sem ruína”, o historiador insiste na exposição dessas quatro fotos, justamente por meio da noção de montagem. M. Foucault e M. de Certeau chamam atenção nos seus trabalhos sobre a questão do arquivo, interrogam a relação “positivista” que os historiadores têm com esse tipo de documento, negando a esse material um “reflexo do real”. Daí a negar todo o valor dos arquivos há um exagero e uma deturpação dessa perspectiva tão inovadora, diz Didi-Huberman: nem excesso de positivismo, nem excesso de ceticismo.
As imagens são frágeis, impuras, revelam coisas visíveis misturadas a coisas confusas, coisas que enganam a coisas reveladoras – são, de fato, insuficientes para falar do real, reafirma o autor. Há que se partir do princípio de que “todo ato de imagem é extraído da impossibilidade de descrever o realii” (DIDI-HUBERMAN, 2003, p. 156). Contudo, é justamente com todas as precariedades, a partir de todas as lacunas, apesar de todos os riscos, que é possível trabalhar com elas. A imagem, para Didi-Huberman, não é tudo, mas está longe de ser nada; e apesar de todas as insuficiências, é possível arrancar dela aprendizado, trabalhando-a na montagem. Fazer ver este caráter ao mesmo tempo incompleto e potente das imagens parece ser uma das contribuições de uma parte do cinema que trabalha com imagens de arquivo.

***

Reutilizar uma imagem, congelá-la na tela, deixá-la mais lenta, fazê-la voltar ou acelerar, dissociá-la do som são procedimentos utilizados pelos diretores para imprimir uma distância entre a imagem e o mundo, entre a imagem e o espectador. Gestos que fazem com que o espectador experimente as imagens como um dado a ser trabalhado, a ser compreendido, a ser relacionado com outros tempos, outras imagens, outras histórias e memórias e não como ilustração de um real pré-existente.
Entre estes dois pólos – criar uma distância em relação às imagens ou tentar ilustrar um real pré-existente –, transitam as práticas de apropriação de imagens de arquivo. Duas lógicas principais parecem regular este trânsito: a primeira parte da demanda, do discurso ou desejo de expressão de um autor, e daí se dirige aos arquivos. A outra parte dos próprios arquivos, do conhecimento de uma fonte ou da consideração da raridade, unicidade ou particularidade de uma imagem quando colocada à luz de uma idéia, produzindo um novo discurso, forma de expressão ou projeto.
A primeira lógica marca a história do documentário clássico e continua presente nas práticas do telejornalismo, onde os centros de documentação atendem às pautas de produção diárias buscando imagens para ilustrar textos. Não por acaso esses acervos são frequentemente chamados “bancos de imagem”, por “abastecerem” as matérias. Já a segunda lógica é menos facilmente localizável, se dissemina por práticas que consideram as imagens de arquivos como acontecimentos entre acontecimentos (FOUCAULT, 2004), únicos em si mesmos, e não signos de outra coisa.
Na primeira lógica, a imagem buscada pode ser encontrada em um amplo espectro de variedades. Há muitas imagens que podem “servir” a um mesmo propósito e, assim, as imagens se tornam intercambiáveis entre si, produzindo o que Comolli chama de “mixagem de imagens” (em lugar de montagem), ou seja, a mistura de imagens de fontes diversas e díspares, sem referência às origens ou à história dessas imagens, onde “tempos, lugares e circunstâncias são misturados geralmente em resposta à lógica de um projeto unificador” (LINDEPERG & COMOLLI, 2008, p. 21). O efeito de tal prática, que revela um certo desconhecimento e uma falta de interesse pela imagem, é o desaparecimento do seu valor, das suas particularidades e da sua historicidade, em que “a história das imagens se apaga no gesto do montador” (LINDEPERG & COMOLLI, 2008, p. 25). As especificidades das imagens tendem a ser apagadas pelos propósitos da apropriação, e a repetição ad infinitum de imagens retiradas dos mesmos “bancos” as faz perder muito de sua potência original, tornando-as sem história, disponíveis para qualquer uso.
Na segunda lógica, a disponibilidade de uma imagem (ou de uma série de imagens) condiciona uma apropriação, promove e dá lugar a um desejo de expressão, regula uma organização audiovisual. A ênfase recai, então, sobre as particularidades das imagens, sobre um trabalho de compreensão e de interpretação de elementos não escolhidos ou não reconhecidos que permanecem “em espera” nas imagens (LINDEPERG & COMOLLI, 2008, p. 30) e que dão a estas seu caráter de acontecimento. Estes elementos, que escapam dos objetivos e do controle dos que as produziram, surgem porque um registro audiovisual frequentemente precede a sua compreensão mais profunda. É em função da existência desses elementos que o realizador pode criar relações entre idéias e identificar latências nas imagens de arquivo que podem “torná-las novas”, como sugere Farocki. O gesto proposto por Farocki é, portanto, sempre dependente do olhar que o artista lança sobre o material e das perguntas que ele lhe coloca.

***

Tornar nova uma imagem é, então, descobrir elementos latentes, que não eram “visíveis” à época de sua captação. Em Le tombeau d’Alexandre (1993), Chris Marker identifica em uma imagem do tempo do czarismo um traço da opressão desse regime sobre o povo russoiii. Na procissão comemorativa dos 300 anos da dinastia Romanov, um militar dirige-se à multidão, batendo na própria testa. “Que faz ele?”, pergunta Marker. “Ordena a multidão tirar o chapéu. Não se fica com a cabeça coberta na passagem dos nobres”. Latente no momento de sua captação, esse elemento emerge no filme de Marker apontando um sentido imprevisto da imagem. O comentário, feito em forma de carta dirigida ao amigo cineasta Alexandre Medvedkine, introduz essa imagem em câmera lenta, chamando a atenção para o gesto do militar. A imagem retorna pouco depois destacando esse gesto. O narrador observa:

Já que o esporte da moda é voltar no tempo para encontrar culpados de tantos crimes e infelicidade derramados em um século sobre a Rússia, gostaria que não fosse esquecido - antes de Stalin, antes de Lênin - esse cara gordo que mandava o povo saudar os ricos.

A imagem, no final da seqüência, se congela por alguns segundos. O que Marker restaura aqui é uma dimensão do passado que precisa ser resgatada para não se perder de vista o que G. Deleuze chama de “devir revolucionário” dos indivíduos em um determinado momento histórico. Não podemos confundir esse devir com “o futuro das revoluções” - “não são as mesmas pessoas nos dois casos” (DELEUZE, 1990, p. 231). A seu modo, Marker nos diz algo semelhante: não podemos esquecer essa imagem, não podemos desqualificar o desejo de liberação em função dos horrores ocorridos na União Soviética. Portanto, essa imagem precisa ser retomada, remontada, olhada de perto, relida no que ela ainda pode nos dar a ler, de forma a permitir uma reconexão com o que se pensou ser possível naquele momento, mas que foi derrotado.
Repetição e congelamento da imagem: dois procedimentos que são centrais para a montagem do cinema, segundo G. Agamben. Para o filósofo italiano, não há mais necessidade de filmar, “just to repeat and stop” [apenas repetir e parar], uma vez que o cinema de agora é feito com base nas imagens do próprio cinema (AGAMBEN, 2008, p. 330). Agamben faz essa afirmação ao destacar esses procedimentos nos filmes de G. Debord. Inspirado na definição do poema de Paul Valéry – “a prolonged hesitation between sound and meaning” [“uma hesitação prolongada entre o som e o significado”], o autor identifica nesses gestos artísticos uma “hesitação” entre a imagem e o sentido que não se traduz numa simples pausa: trata-se de uma potência de interrupção e ruptura, que trabalha a imagem propriamente, retirando-a do fluxo narrativo e forçando o espectador a pensar de outras maneiras.
Tornar nova uma imagem existente é também rediscuti-la, inseri-la em um contexto histórico diferente, mudar a direção de seu discurso, confrontá-la com outras perspectivas. Em Mato eles? (1982), Sérgio Bianchi apropria-se do documentário antropológico Os xetás da serra dos dourados, fruto das expedições da Universidade Federal do Paraná na década de 1950, escrito e dirigido pelo prof. José Loureiro Fernandes. O documentário é descritivo: mostra os índios Xetá em atividades cotidianas e em seu ambiente, o que é acompanhado por uma narração clássica e acadêmica, bem diferente de Mato Eles?. Bianchi, no entanto, conserva em condições muito próximas das originais a seqüência do filme de que se apropria, mantendo a narração e até mesmo a apresentação de parte dos créditos. Não é uma seqüência longa, mas é representativa do discurso antropológico da época e do filme. Além disso, Bianchi o mantém desafiadoramente quase que “em separado”, em uma moldura dentro do filme, como um filme dentro do filme, aparentemente independente, um “corpo estranho” dentro de Mato Eles?. Num primeiro momento, o que parece justificar o gesto de Bianchi ao se apropriar deste material – apresentação em bloco, conservação, moldura, separação – é o cuidado com a identificação daquelas imagens e sons e a indicação da sua origem, da sua localização histórica. Mas isto não é principalmente sinal de interesse ou conhecimento sobre a imagem. Serve mais profundamente a uma estratégia: oferecer à apreciação do espectador o “caráter típico” desse material, as características históricas e estéticas de um discurso antropológico datado, indiferente, a que o diretor se coloca implicitamente em oposição. O efeito produzido – forçar o espectador a uma tomada de posição – é realçado pela posição do filme de arquivo no filme de Bianchi: ele se encontra entre dois trechos da exposição de um pesquisador sobre as etnias que habitam a região oeste do Paraná, em que este discute a sobrevivência dos índios (ou melhor, o seu extermínio). O pesquisador lança mão de números inexpressivos e informações detalhadas e pessoais dos poucos índios que restaram. O filme não precisa dizer mais nada.
O filme de Bianchi é um marco de uma linha minoritária do cinema brasileiro que retoma imagens já existentes de forma crítica, que tem também como expoentes os “anti-documentários” de Arthur Omar dos anos 70, Cabra Marcado para morrer (1964/1984), de Eduardo Coutinho e Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado. Na produção mais recente, os filmes de Andréa Tonacci (Serras da Desordem, 2007), João Salles (Santiago, 2007), Joel Pizzini (500 almas, 2007) e Erick Rocha (Rocha que voa, 2002), exibem a vitalidade dessa prática criativa, feita da apropriação de materiais audiovisuais pré-formados, associados em alguns casos às imagens filmadas pelos próprios realizadores. No campo das artes plásticas, o trabalho de Rosangela Rennó se destaca particularmente em Arquivo Universal, em que a artista seleciona e organiza imagens anônimas já existentes, partindo do princípio de que o arquivo é algo em construção, que as imagens são sempre atravessadas por diferentes questões, e que é necessário montá-las de diferentes formas para complexificar nossa apreensão do mundo.

***

As obras e artistas aqui tratados apontam tanto para as modalidades das práticas com imagens de arquivo, em diversos campos, quanto para o pensamento que essas práticas inspiram. Nosso objetivo foi indicar alguns caminhos para análises que se ocupem da diversidade dessas práticas e que nos permitam formular um pensamento próprio ao uso de arquivos na produção audiovisual contemporânea. Como acontecimento criado por um gesto organizador, que confere uma ordem a um conjunto mais ou menos heterogêneo de documentos audiovisuais, o arquivo é uma “imagem em ato”, uma vez que está aberto à história, ao mundo e a outros gestos que o modifiquem, reconfigurem e ressignifiquem. Pensar o uso dos arquivos significa pensar a imagem como ato e não como coisa (DIDI-HUBERMAN, 2003, p. 143) ou representação. Neste sentido, as análises aqui apresentadas permitem ver na criação audiovisual com imagens de arquivo as potencialidades estéticas e políticas desta prática.



1- O termo “found footage” é muito usado pela crítica americana, que faz em alguns momentos distinções da noção “imagens de arquivo”. “Archival footage” são imagens históricas de instituições públicas; “found footage” são aquelas provenientes de coleções privadas, estoques comerciais, agências de filmagem, internet – imagens que não possuem um valor histórico determinado.

2-Tradução nossa da frase “tout acte d’image s’arrache à l’impossible description d’un réel”.

3- Já utilizada por Esther Schub no filme A queda da dinastia Romanov (1927).

Bibliografia

AGAMBEN, Giorgio. “Difference and Repetition: on Guy Debord’s films”. In LEIGHTON, Tanya (ed). Art and the moving image, London: Tate publishing/Afterall, 2008, p. 328-333.
BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud & Yara Vieira. São Paulo: Hucitec, 1995.
DELEUZE, Gilles. Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990.
DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo. Uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
DIDI-HUBERMAN, G. Images malgré tout. Paris: Les Editions de Minuit, 2003.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
ISHAGPOUR, Youssef. Orson Welles. Paris: La difference, 2001.
LEIGHTON, Tanya. “Introduction”. In LEIGHTON, Tanya (ed). Art and the moving image. London: Tate publishing/Afterall, 2008.
LINDEPERG, Sylvie & COMOLLI, Jean-Louis. “Images d’archive: l’emboîtement des regards” (entretien). Images Documentaires, Paris, nº 63 – Regards sur les archives, 2008, p.11-39.


Consuelo Lins é documentarista e professora da UFRJ. Doutora e pós-doutora pela Univ. de Paris III, com pesquisas sobre a produção documental. Publicou O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo (2ª ed. 2007) e Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo (2008), este último em parceria com Cláudia Mesquita, ambos pela editora Jorge Zahar.
Luiz Augusto Rezende é professor e pesquisador do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da UFRJ. Doutor em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ, tem desenvolvido, orientado e publicado pesquisas sobre documentário e audiovisual educativo.


Jordane.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Um poema de um grande amigo dos Bohemios. Direto de onde a chuva por esses dias foi muita...

Viva o Rio

O sertão há de virar
Mas como é a cidade
Terra das prioridades
Foi o Rio que fez-se mar,

Vamos nos acostumar
E aproveitar numa boa,

Lixeira virou canoa
Não servia para nada
Ônibus virou mirante
Mesmo assim tem que pagar
Quem corria nas calçadas
Aprendendo a nadar,

O que no morro ia ser bonde
O governo vai mudar
Anunciam amanhã
Que farão um tobogã
Diretinho cai no mar,


Até terá banho de lama
Pro povo que só reclama
O lixo aproveitado
Feito esqui em Copacabana,

O túnel piscina olímpica
Coisa de primeiro mundo
O bueiro que era imundo
De petróleo um chafariz,
Eita que eu tô feliz!

E o porto, que beleza
Não será tal Barcelona
A cidade é bem grandona
Mas tem charme de Veneza,

E é por isso que eu vou rir
Sempre a melhor opção
Que também chorar agora
Pode dar inundação.

Yarssan.

terça-feira, 6 de abril de 2010

PROCURA-SE



PROCURA-SE

Poeta albino de bigodes escuros.

Responsável por
Fazer apologia à
dor de cotovelo.

Recompensa.
A vida eterna.

terça-feira, 30 de março de 2010

Pavão Misterioso.


Existe alguma ave mais misteriosa do que o pavão?
Belo animal de excêntrica beleza.
Logo abaixo segue uma das mais belas canções de um grande compositor
pouco lembrado nos dias de hoje.



É fechar os olhos e transcender.


Segue link para ver o vídeo noYou Tube, Tenho certeza que vão gostar.

http://www.youtube.com/watch?v=Yys1jxLUiZA

Alceu Kunz


Pavão Misterioso
Ednardo
Composição: Ednardo

Pavão misterioso
Pássaro formoso
Tudo é mistério
Nesse teu voar
Ai se eu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história
Eu tinha prá contar...

Pavão misterioso
Nessa cauda
Aberta em leque
Me guarda moleque
De eterno brincar
Me poupa do vexame
De morrer tão moço
Muita coisa ainda
Quero olhar...

Pavão misterioso
Pássaro formoso
Tudo é mistério
Nesse seu voar
Ai se eu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história
Eu tinha prá contar...

Pavão misterioso
Pássaro formoso
No escuro dessa noite
Me ajuda, cantar
Derrama essas faíscas
Despeja esse trovão
Desmancha isso tudo, oh!
Que não é certo não...

Pavão misterioso
Pássaro formoso
Um conde raivoso
Não tarda a chegar
Não temas minha donzela
Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos
Mas não podem voar...

sábado, 27 de março de 2010

Putrefeito






Por mais pugnaz que seja
Na pubescência és estúpido!
Pugnacidade é para poucos,
Pujante infame!
Pulhice é seu apelido!

No seu púlpito com discurso pulular purifica o tolo,
Pusilânime que se julga putativo,
Puritano puriforme!Pustulose da nação!
Puxa-saco pútrido! Puxador ideológico!

Púbere pudico pudicícia em público, por favor...

- Pudente pudera!


Jordane.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Flutuar é pouco...



Flutuar,
Subterrar,
Enterra,
Enterrado respiro,
Respirando vivo,
Vivendo eu vôo,
Voando eu caiu,
Caindo morro,
Morrendo me enterro.
Passado,
Presente,
Futuro,
Nada ou tudo,
Par ou impar,
Viver ou morrer,
Molho madeira ou extrato de tomate,
Nossa, acabou, ou começou, ou a rima não rimou???


Alceu

terça-feira, 23 de março de 2010

Conversa de botequim

Conversa de Botequim uma composição do "Poeta da Vila" Noel Rosa ilustra hoje a página dos Bohemios. Nada mais sugestivo...

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d'água bem
[gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto
[ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta,um tinteiro,
Um envelope e um cartão,
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...
Telefone ao menos uma vez
Pra três quatro quatro três três três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório
Seu garçom me empresta um dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d'água bem
[gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto
[ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.

A canção interpretada por Chico Buarque.



Jaime José S. Silva.

quinta-feira, 18 de março de 2010

A verdade crua e cozida.


Olha para si mesmo no espelho e pense em tudo aquilo que você passou.

Olhe para sua namorada e olhe tudo aquilo que vocês passaram e vão passar.

Olhe para seu pai e tente perceber todo o esforço que ele fez para educar você.

Olhe para sua mãe e tente no mínimo encontrar quantas horas de sono ela perdeu, quantos compromissos e quantas oportunidades.

Olhe para a televisão é veja aquilo que os outros querem que você se torne.

Enfim, olhe a sua volta e tente pensar aquilo que os outros estão pensando.




Tentou?




Não?



Tente outra vez?



Não conseguiu? Como você é burro.


Um pequeno exercício antes é recomendado.
Respire fundo, relaxe os músculos e abra lentamente os olhos, por que acho que até agora eles estava fechados.


Alceu Kunz é Tecnico de serviços sociais e anti-sociais da organização mundial dos poetas analfabetos e escritores sem noção.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Hobsbawm: a Era das Incertezas





Esta é uma entrevista publicado pela Revista Sem Terra, maio de 2009.



Em entrevista exclusiva à Revista Sem Terra, o historiador Eric Hobsbawm apresenta ao leitor sua avaliação das origens, efeitos e desdobramentos da crise mundial.
Desde que sua magnitude se fez sentir, com seus capítulos ambiental, climático, energético, alimentar e, por fim, econômico, acadêmicos, sociólogos, economistas, políticos e lideranças sociais procuram entender e explicar suas causas, e analisar e prever suas conseqüências. Muitos têm buscado respostas e soluções apenas no próprio universo econômico. Outros concluíram que vivemos uma crise civilizatória, e que o capitalismo implodiu por seus próprios desmandos. Mas ninguém parece ter respostas definitivas sobre o que nos prepara o futuro. Assim também Hobsbawm, o maior historiador marxista da atualidade. Aos 92 anos, o autor de algumas das mais importantes obras acerca da história recente da humanidade, como “A Era das Revoluções” (sobre o período de 1789 a 1848), “A Era do Capital” (1848-1875) ,
“A Era dos Impérios” (1875-1914) e “A Era dos Extremos – O Breve Século 20”, lançado em 1994, não arrisca previsões sobre como será o mundo pós-crise.

Nesta entrevista, concedida por e-mail de Paris, porém, Hobsbawm apresenta suas opiniões como contribuição ao debate. De certezas, apenas a de que, se a humanidade não mudar os rumos da sua convivência mútua e com o planeta, o futuro nos preserva maus agouros. (...)

Revista Sem Terra - O planeta vive hoje uma crise que abalou as estruturas do capitalismo mundial, atinge indiscriminadamente atores em nada responsáveis pela sua eclosão, e que talvez seja um dos mais importantes “feitos” da moderna globalização. Na sua avaliação, quais foram os fatores e mecanismos que levaram a esta situação?

Eric Hobsbawm – Nos últimos quarenta anos, a globalização, viabilizada pela extraordinária revolução nos transportes e, sobretudo, nas comunicações, esteve combinada com a hegemonia de políticas de Estado neoliberais, favorecendo um mercado global irrestrito para o capital em busca de lucros. No setor financeiro, isto ocorreu de forma absoluta, o que explica porque a crise do desenvolvimento capitalista ocorreu ali. Apesar do fato de que o capitalismo sempre — e por natureza — opera por meio de uma sucessão de expansões geradoras de crises, isto criou uma crise maior e potencialmente ameaçadora para o sistema, comparável à Grande Depressão que se seguiu a 1929, mesmo que seja cedo para avaliarmos todo o seu impacto. Um problema maior tem sido que a tendência de declínio das margens de lucro, típico do capitalismo, tem sido particularmente dramática porque os operadores financeiros, acostumados a enormes ganhos com investimentos especulativos em épocas de crescimento econômico, têm buscado mantê-los a níveis insustentáveis, atirando-se em investimentos inseguros e de alto risco, a exemplo dos financiamentos imobiliários “subprime” nos EUA. Uma enorme dívida, pelo menos quarenta vezes maior do que a sua base econômica atual foi assim criada, e o destino disso era mesmo o colapso.

RST - Como resposta à crise econômica, governos e instituições financeiras estão concentrados em salvar os sistemas bancário e financeiro, opção que tem sido considerada uma tentativa de cura do próprio vetor causador do mal. No que deve resultar este movimento?

EH – Um sistema de crédito operante é essencial para qualquer país desenvolvido, e a crise atual demonstra que isso não é possível se o sistema bancário deixa de funcionar.
Nesse sentido, as medidas nacionais para restaurá-lo são necessárias. Mas o que é preciso também é uma reestruturação do Estado por exemplo, através das nacionalizações, a “desfinanceirização” do sistema e a restauração de uma relação realista entre ativos e passivos econômicos. Isso não pode ser feito simplesmente combinando vastos subsídios para os bancos com uma regulação futura mais restrita. De toda forma, a depressão econômica não pode ser resolvida apenas via restauração do crédito. São essenciais medidas concretas para gerar emprego e renda para a população, de quem depende, em última instância, a prosperidade da economia global.

RST - Antes de se agudizar o caos econômico, o mundo começou a sofrer uma sucessão de abalos sociais e ambientais, como a falta global de alimentos, as mudanças climáticas, a crise energética, as crises humanitárias decorrentes das guerras, entre outros. Como você avalia estes fatores na perspectiva do paradigma civilizatório e de desenvolvimento do capitalismo moderno?

EH – Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a fórmula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado. Como esta transição ocorrerá ainda não está claro, mas se não ocorrer, haverá uma catástrofe.

RST – O capitalismo tem adquirido, cada vez mais, uma força hegemônica na agricultura com o crescimento do agronegócio. Muitos defendem que a Reforma Agrária não cabe mais na agenda mundial. Como vê este debate e a luta pela terra de movimentos sociais como o MST e a Via Campesina?

EH – A produção agrícola necessária para alimentar os seis bilhões de seres humanos do planeta pode ser fornecida por uma pequena fração da população mundial, se compararmos com o que era no passado. Isso levou tanto a um declínio dramático das populações rurais desde 1950, quanto a uma vasta migração do campo para as cidades. Também levou a um crescente domínio da agricultura por parte não tanto do grande agronegócio, mas principalmente de empreendimentos capitalistas que hoje controlam o mercado desta produção. Da mesma forma, têm aumentado os conflitos entre agricultores e iniciativas empresariais na disputa pela terra para propósitos não agrícolas (indústrias, mineração, especulação imobiliária, transporte etc.), bem como pela sua posse e pela exploração dos recursos naturais. A Reforma Agrária sem duvida não é mais tão importante para a política como foi há 40 anos, pelo menos Insustentável: crescimento econômico e da população colocam em risco o futuro da amizade na América Latina, mas claramente permanece uma questão central em muitos outros países. Na minha opinião, a crise atual reforça a importância da luta de movimentos como o MST, que é mais social do que econômica. Em tempos de vacas gordas é muito mais fácil ganhar a vida na cidade. Em tempos de depressão, a terra, a propriedade familiar e a comunidade garantem a segurança social e a solidariedade que o capitalismo neoliberal de mercado tão claramente nega aos migrantes rurais desempregados.

RST - Na virada do século, um novo movimento global de resistência social tomou corpo através do que ficou conhecido como altermundialismo. Surgiu o Fórum Social Mundial, e grandes manifestações contra a guerra e instituições multilaterais, como a OMC, o G8 e a ALCA, na América Latina, ganharam as ruas. Na sua avaliação, o que resultou destes movimentos? E hoje, como vê estas iniciativas?

EH – O movimento global de resistência altermundialista merece o crédito de duas grandes conquistas: na política, ressuscitou a rejeição sistemática e a crítica ao capitalismo que os velhos partidos de esquerda deixaram atrofiar. Também foi pioneiro na criação de um modo de ação política global sem precedentes, que superou fronteiras nacionais nas manifestações de Seattle e nas que se seguiram. Grosso modo, logrou formular e mobilizar uma poderosa opinião pública que seriamente pôs em cheque a ordem mundial neoliberal, mesmo antes da implosão econômica. Seu programa propositivo, porém, tem sido menos efetivo, em função, talvez, do grande número de componentes ideologicamente e emocionalmente diversos dos movimentos, unificados apenas em aspirações muito generalistas ou ações pontuais em ocasiões específicas.

RST - Principalmente na América Latina, os anos 2000 trouxeram uma série de mudanças políticas para a região com a eleição de governadores mais progressistas. A sociedade civil organizada ganhou espaço nos debates políticos, mas os avanços na garantia dos direitos sociais ainda esperam por uma maior concretização. Como analisa este fenômeno?

EH – O fator mais positivo para a América Latina é a diminuição efetiva da influência política e ideológica — e, na América do Sul, também econômica — dos EUA. Um segundo fator muito importante é o surgimento de governos progressistas — novamente mais fortes na América do Sul — , inspirados pela grande tradição da igualdade, fraternidade e liberdade, que comprovadamente está mais viva aí do que em outras regiões do mundo neste momento. Estes novos regimes têm se beneficiado de um período de altos preços de seus bens de exportação. Quão profundamente serão afetados pela crise econômica, principalmente o Brasil e a Venezuela, ainda não está claro. Suas políticas têm logrado algumas melhorias sociais genuínas, mas até agora não reduziram significativamente as enormes desigualdades econômicas e sociais de seus países. Esta redução deve permanecer a maior prioridade de governos e movimentos progressistas.

RST - Diante da crise civilizatória, do fracasso do capitalismo e da inoperância dos sistemas multilaterais, que não foram aptos a enfrentar as grandes questões mundiais, as esquerdas têm se debatido na busca de alternativas; mas nem consensos nem respostas parecem despontar no horizonte. Haveria, em sua opinião, a possibilidade real da construção de um novo socialismo, uma nova forma de lidar com o planeta e sua gente, capaz de enfrentar a hegemonia bélica, econômica e política do neoliberalismo?

EH – Eu não acredito que exista uma oposição binária simples entre “um novo socialismo” e a “hegemonia do capitalismo”. Não existe apenas uma forma de capitalismo. A tentativa de aplicar um modelo único, o “fundamentalismo de mercado” global anglo-americano, é uma aberração histórica, que potencialmente colapsou agora e não pode ser reconstruída. Por outro lado, o mesmo ocorre com a tentativa de identificar o socialismo unicamente com a economia centralizada planejada pelo Estado dos períodos soviético e maoísta. Esta também já era (exceto talvez se nosso século for reviver os períodos temporários de guerra total do século 20). Depois da atual crise, o capitalismo não vai desaparecer. Vai se ajustar a uma nova era de economias que combinarão atividades econômicas públicas e privadas. Mas o novo tipo de sistemas
mistos tem que ir além das várias formas de “capitalismo de bem estar” que dominou as economias desenvolvidas nos trinta anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.
Deve ser uma economia que priorize a justiça social, uma vida digna para todos e a realização do que Amaratya Sen chama de potencialidades inerentes aos seres humanos. Deve estar organizada para realizar o que está além das habilidades do mercado dos caçadores-de-lucro, principalmente para confrontar o grande desafio da humanidade neste século 21: a crise ambiental global. Se este novo sistema se comprometer com os dois objetivos, poderá ser aceitável para os socialistas, independente do nome que lhe dermos. O maior obstáculo no caminho não é a falta de clareza e concordância entre as esquerdas, mas o fato de que a crise econômica global coincide com uma situação internacional muito perigosa, instável e incerta, que provavelmente não estabelecerá uma nova estabilidade por algum tempo. Entrementes, não há consenso ou ações comuns entre os Estados, cujas políticas são dominadas por interesses nacionais possivelmente incompatíveis com os interesses globais.

RST - Conceitos como solidariedade, cooperação, tolerância, justiça social, sustentabilidade ambiental, responsabilidade do consumidor, desenvolvimento sustentável, entre outros, têm encontrado eco, mesmo de forma ainda frágil, na opinião pública. Acredita que estes princípios poderão, no futuro, ganhar força e influenciar a ordem mundial? Vê algum caminho que possa aproximar a humanidade a uma coabitação harmoniosa?

EH – Os conceitos listados estão mais para slogans do que para programas. Eles ou ainda precisam ser transformados em ações e agendas (como a redução de gases de efeito estufa, encorajada ou imposta pelos governos, por exemplo), ou são subprodutos de situações sociais mais complexas (como “tolerância”, que existe efetivamente apenas em sociedades que a aceitam ou que estão impedidas de manter a intolerância). Eu preferiria pensar na “cooperação” não apenas como um ideal generalista, mas como uma forma de conduzir as questões humanas, como as atividades econômicas e de bem estar social. Me entristece que a cooperação e a organização mútua, que eram um elemento tão importante no socialismo do século 19, desapareceram quase que completamente do horizonte socialista do século 20 – mas felizmente não da agenda do MST. Espero que esta lista de conceitos continue conquistando o apoio e mobilize a opinião pública para pressionar efetivamente os governos. Não acredito que a humanidade alcançará um estado de “coabitação harmoniosa” num futuro próximo. Mas
mesmo se nossos ideais atualmente são apenas utopias, é essencial que homens e mulheres lutem por elas.

RST - O senhor, que estudou com profundidade a história do mundo e as relações humanas nos últimos séculos, o que espera do futuro?

EH – Se a crise ambiental global não for controlada, e o crescimento populacional estabilizado, as perspectivas são sombrias. Mesmo se os efeitos das mudanças climáticas possam ser estabilizados, produzirão enormes problemas que já são sentidos, como a crescente competição por recursos hídricos, a desertificação nas zonas tropicais e subtropicais, e a necessidade de projetos caros de controle de inundações em regiões costeiras. Também mudarão o equilíbrio internacional em favor do hemisfério Norte, que tem largas extensões de terras árticas e subárticas passíveis de serem cultivadas e industrializadas. Do ponto de vista econômico, o centro de gravidade do mundo continuará a se mover do Oeste (América do Norte e Europa) para o Sul e o Leste asiático, mas o acúmulo de riquezas ainda possibilitará às populações das velhas regiões capitalistas um padrão de vida muito superior às dos emergentes gigantes asiáticos. A atual crise econômica global vai terminar, mas tenho dúvidas se terminará em termos sustentáveis para além de algumas décadas. Politicamente, o mundo vive uma transição desde o fim da Guerra Fria. Se tornou mais instável e perigoso, especialmente na região entre Marrocos e Índia. Um novo equilíbrio internacional entre as potências — os EUA, China, a União Européia, Índia e Brasil — presumivelmente ocorrerá, o que poderá garantir um período de relativa estabilidade econômica e política, mas isto não é para já. O que não pode ser previsto é a natureza social e política dos regimes que emergirão depois da crise. Aqui as experiências do passado não podem ser aplicadas. O historiador pode falar apenas das circunstâncias herdadas do passado. Como diz Karl Marx: a humanidade faz a sua própria história. Como a fará e com que resultados, muitas vezes inesperados, são questões que ultrapassam o poder de previsão do historiador.



Jordane.

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